Sufismo e Yoga

J. T. Thadhani

Por:  J. T. Thadhani

Membro da Sociedade Teosófica de Adyar, Madras, India

Apresentarei aqui os fundamentos do Sufismo e, de certa forma, sua relação com o Yoga. 

A palavra “Yoga” tem vários significados em sânscrito. Deriva da raiz “Yuj”, que significa “juntar” e abrange todos os seus significados. Os hindus acreditam que o Jivātma ou alma humana é parte do Parātma ou Alma Divina. O Parātma se manifesta na criação e no processo evolutivo de todas as almas, onde o Jivatma atinge sua plenitude na Parātma. Esta concepção é, encontrada no Sufismo, quando o profeta Maomé diz: “Eu era um tesouro escondido e queria me manifestar, portanto fiz a criação”.

Todo o conceito islâmico da vida e da morte é também baseado nesta idéia. Quando alguém morre os Muslims dizem: “Com certeza viemos Dele (A Realidade Ultima ou Alá) e para Ele retornaremos”.

Inúmeras citações, tiradas das escrituras hindus e islâmicas, demonstram que o homem foi separado da alma original – quer a chamemos Alá ou Parabrahma – e não descansará até unir-se novamente a ele. Os mestres espirituais se baseiam nisto ao apontar-nos o caminho para ser um com Ele – a Realização Divina.

O Sufismo tem sido explicado de três maneiras:

1. É uma palavra árabe que significa “lã”. Os ascetas que, desejavam levar uma vida espiritual, de realização divina, usavam roupas de lã ásperas, para auto mortificar-se, eram por isso chamados“sufistas”.

2. A palavra é também devivada de “Safa” que significa pureza; os que levavam uma vida pura eram chamados “sufistas”.

3. Há outros que afirmam que a origem da palavra se encontra em Plotino, o filósofo grego, e derivaria da palavra grega “Sopho” que significa “sabedoria”; os sufistas procurariam, assim, Sabedoria e Espiritualidade.

Estas derivações provam que tais pessoas seguiram uma espécie de Yoga ou método de unificação com a Realidade Ultima, por isso adotaram também métodos e práticas algumas vezes bem diferentes daquelas usadas pelos teologistas ortodoxos.

Os sufistas voltaram-se desde logo para as práticas ascéticas, como Hassan de Basra e Rabia da Basra; outros dedicaram-se à música de Bhagdad, enquanto outros declaravam que a verdade última era “eu sou a verdade”, o Analhaq ou Ahambrahmasmi, e foram para o cadafalso; e alguns se conformaram com os moldes religiosos, como Imam Ghazali. O objetivo último era sempre o mesmo, A Realização Divina.

É muito difícil comparar dois sistemas de filosofia. Como a natureza humana é essencialmente a mesma, os Avatāres, os grandes profetas e seres pensam sempre em direções semelhantes. O Dr. R. A. Nicholson demonstra acertadamente que a espiritualidade de dois sistemas de pensamento não prova que um é emprestado do outro. Os pensamentos podem ocorrer simultânea e originalmente em duas mentes diferentes. Uma citação semelhante pode ser encontrada no Viveka Cūḍāmaṇi de Sri Śaṁkarācārya para demonstrar que os ensinamentos acerca da disciplina e da piedade são os mesmos tanto no Islamismo como no Yoga.

Os sufistas expressam sua cultura através (1) de práticas ascéticas; (2) de música e meditação; (3) de estórias e expressões de seu desejo de atingir o fim último. Em todos os casos o objetivo é o mesmo, mas os processos são diferentes. Tanto para o Yogui como para o Sufi o propósito mais importante é CONTROLAR A MENTE.

Os sufistas não acreditam em castas, e o mesmo acontece com os yoguis. É por isso que encontramos hindus que se tornam discípulos de sufis muslims e vice-versa. Kabir e Nanak são exemplos deste aspecto. Os sufistas também conhecem os chakras; podem fazer milagres, mais para ajudar seus discípulos, do que para adquirir popularidade ou conhecimento. Possuem várias coisas em comum. Os yoguis foram grandes ascetas, possuíram poderes sobrenaturais e muitos lutaram para atingir a realização divina, enquanto os sufistas foram pessoas dedicadas, que viam Deus em tudo e serviam a Humanidade sem discriminação alguma.

Os sufistas e os yoguis têm outro ponto em comum: a formação de Āśrams e Khankahs. Aqueles que se dedicam a Deus e as coisas divinas devem viversozinhos – não SOLITÁRIOS – e, no entanto, atingir a sua meta de realização divina ou auto- realização. Os sufistas não são apegados às coisas materiais; no fim do dia desfazem-se de todos os bens e dão suas provisões aos pobres e necessitados. Curiosamente, no dia seguinte suas cozinhas e dispensas estarão novamente cheias, sem que ninguém tenha ido embora desapontado.

O sufismo, portanto, não é um culto. É uma maneira de viver. É encarar a vida como uma entrega absoluta a Deus. Cada sufista tem sua própria forma e identidade, e interpreta o Sufismo através de estórias e anedotas. Estas estórias podemmultiplicar-se em diversas figuras, como Esopo, Omar Khayam, Averroes, Cervantes, Bacon, Chaucer, Dante e em várias disciplinas, tais como o Islamismo, o Cristianismo, o Yoga e a Maçonaria livre.

O Sufismo não tem dogmas, tampouco indica caminhos. Cada aspirante encontra o seu. Um dervixe descrevendo o Sufismo, diz:

A semente do Sufismo
Foi plantada no tempo de Adão,
Germinou no tempo de Noé,
Brotou no tempo de Abraão,
Começou a se desenvolver no tempo de Moisés,
Atingiu a maturidade no tempo de Jesus,
Produziu o vinho puro no tempo de Mohamed.

O sufismo é a evolução consciente, onde, por esforço, o homem pode desenvolver faculdades de telepatia e profecia. Existe no homem uma ilimitada capacidade de perfeição. O sufismo mostra o caminho.

Sua grande conquista é a libertação da ambição, da avareza, do orgulho intelectual, da obediência cega aos costumes e o do temor aos superiores. É o idealismo mais alto da LIBERDADE. Um sufista é ilimitado em tudo, sua mente, coração e intelecto são perfeitamente felizes. Ele não cobiça e não deseja nada deste mundo. Não gosta, mesmo que lhe atribuam denominações que possam forçá-lo a uma conformidade doutrinal. Os sufistas estão ligados a seus Deuses e não ao mundo físico. Ibn-El-Arabi diz dele mesmo:

Eu segui a religião do amor.
Agora, às vezes, sou chamado
Pastor de Gazelas (Sabedoria Divina)
E um sábio persa,
Meu amado, é “três”;
“Três” e, no entanto, somente um.
Muitas coisas aparecem como “três”.
Mas não são mais que uma.
Não lhes dê nome,
Como pára limitar o “um”
Ao aspecto de “quem”,
Toda limitação é execrável.

Ibn-El-Arabi coloca em uma sentença o objeto básico do sufismo:

A PERFEIÇÃO DIVINA DO HOMEM ATRAVÉS DO AMOR DIVINO.

Um dos maiores mestres sufistas descreve o sufi como um bêbado sem vinho, saciado sem alimento, distraído, estéril e insone, rei em manto humilde, tesouro dentro de uma ruína, desligado do ar e da terra, do fogo e da água, mar sem limite.

Possui centenas de luas, céus e sóis. Não é um homem no meio da religião. É muito mais que isto. Está além do ateísmo. Para ele não há pecado ou mérito. Ele está escondido. “Procure-o e o encontrará”.

Não obstante, encontram-se sufis às centenas no mundo oriental, mas um verdadeiro sufi não se descobre facilmente.

A prática do sufismo é sublime demais para que se lhe possa atribuir uma origem formal. Os seguidores do Sufismo consideram-no um ensinamento secreto, oculto em cada religião, porque suas bases estão em cada mente humana. Através destes princípios os místicos sufistas tornaram-se conhecidos no Ocidente e mantiveram atuante, até os dias de hoje ,ensinamentos que unem pessoas de intuição desde o oriente distante, até plagas longínquas do mundo ocidental.

Misticamente, para um sufista, a religião é uma concha que realiza somente uma função. O sufista usa a religião e a psicologia para ultrapassar a forma exterior e quando atinge este ponto retorna ao mundo para guiar outros através desse caminho.

O Professor Nicholson, que traduziu o poeta Rumi, diz:

Se há algum admirador do mundo, oh!  muçulmanos – sou eu
Se há algum crente ou eremita cristão – sou eu
Eu sou os resíduos de vinho, e o que sustente a taça, o menestrel, a harpa e a música:
O amado, a vela, a bebida e a alegria de quem bebe, sou eu.
Os setenta e dois credos e seitas no mundo não existem realmente;
Eu juro por Deus que todos os Credos e seitas – sou eu.
Terra e ar e água e fogo, ou melhor, o corpo e também a alma – sou eu.
Verdade e falsidade, bem e mal, facilidades e dificuldades do começo ao fim,
Conhecimento e aprendizado, ascetismo, piedade e fé – sou eu.
O fogo do inferno, estou certo, com seus limbos flamejantes,
Sim, o Paraíso e Éden e as Huris – sou eu.
Esta terra o céu, com tudo que possuem,
Anjos, Parsis, Gente e Humanidade – sou Eu.

Jalaludin Rumi dá ênfase à natureza evolutiva do esforço humano, tanto para o individuo como para o grupo, dizendo: “Morri como matéria inerte e me tornei planta, e como planta morri e me tornei animal. Morri como animal e me tornei um homem; portanto, por que deveria temer a perda de meu caráter em forma Angélica?”

Um sufista é o pesquisador, o homem que bebe, o iluminado, o amigo, o próximo, o dervixe, o faquir ou Kalander, o conhecedor, o sábio, o devoto.

A ascendência moral ou a personalidade magnética que o sufista atinge não é a sua meta, mas um derivado de suas realizações interiores, um reflexo do seu desenvolvimento.

Para ser um sufista a pessoa deve unir-se à comunidade, ser como ela, para ver a alegria da vida real deve passar pela rua destruída e ver a destruição, beber a taça do sentimento para que não se sinta envergonhado; fechar os dois olhos para ver apenas com o olho interior; abrir os dois braços, se procurar um abraço. Esconder o ídolo terreno a fim de ver a face dos ídolos.

Omar Khayyam expressa o Sufismo da seguinte maneira: “Não posso viver sem vinho, sem um gole da taça não posso sustentar meu corpo, sou escravo da liberdade com a qual o Saki diz: ”tome mais uma taça”, e no entanto não posso fazer isso.”

É muito interessante ler Hassan de Basra que narra: “Perguntei a uma criança que caminhava com uma vela: “De onde vem esta luz?” Instantaneamente ela a apagou a vela e disse: “Diga-se para onde ela se foi, e eu lhe direi de onde ela veio”. Esta é a mais alta filosofia do sufista que envereda pela natureza.

Maaruf Karkhi dá sua interpretação da lei superior desta forma: “Há três indicações de real generosidade; permanecer estável sem resistir; louvar sem a emoção da generosidade; dar antes de ser solicitado”.

Os princípios que justificam o nome “Lei superior”são os seguintes:

1. Felicidade e miséria estão igualmente divididas e distribuídas no mundo.

2. Elas criam auto-aprimoramento, com o respeito devido aos outros, objetivo único e suficiente da vida humana.

3. Os afetos, as simpatias e a graça divina da Piedade são os prazeres mais altos do homem.

4. Há suspensão de julgamento diante de uma suspeita natural dos fatos, a mais tola das superstições.

5. Finalmente, apesar da aparência destrutiva, a lei é essencialmente reconstrutiva.

Um outro poeta sufista diz: “O que sabe você homem, sobre a vida, e, no entanto para sempre está entre o ventre e o túmulo. Você tagarela sobre a vida vindoura, sobre o céu e o inferno. A alegria o faz delirar. Cesse homem, de se entristecer, de soluçar, de gemer, aproveite a hora do brilhar do sol; dançamos no fio do brinquedo da morte, mas a dança será por isso menos cheia de prazer?”

A importância que o homem atribui â sua própria ignorância é o inimigo real. Ele deve procurar a verdade da maneira correta, precisa alegrar o coração, abjurar o “Por Que” e procurar o “Como”.

Os sufistas são divididos em várias ordens chamadas: os Rif’i (os dervixes ululantes); os Qalandri (Barbeados); os Chisthi (músicos); os Mevlevi (dançarinos) e os Naxshbandi (silenciosos).

O objetivo dos sufistas é refinarem – se de tal maneira que obtenham a irradiação do que chamamos os vários atributos de Deus. Mas nenhum sufista pode torna-se parte da textura de Deus, por tal refinamento final. No entanto, somente ao se livrar de sua carga material traz a tona sua essência verdadeira, que pode ser chamada alma (ruh). Para o sufista há quatro caminhos. O primeiro é o atingir da condição conhecida como Fana, às vezes traduzida como “aniquilação”. Este é o estágio de unificação da consciência, no qual o sufista está em harmonia com a realidade objetiva. Depois deste o sufista passa para segundo caminho, que o torna um homem perfeito pela estabilização de seus conhecimentos objetivos.  Este é o estagio da permanência (Baga). Ele é agora um mestre no seu próprio direito e possui o titulo de Qutab (centro magnético). O terceiro caminho é quando o mestre se torna um diretor espiritual. Ele opera em vários níveis, mas não é tudo para todos os homens. Ele pode beneficiar a todos de acordo com a potencialidade das pessoas. No quarto caminho, o Homem Perfeito guia os outros na transição do que é geralmente considerado morte física, até um estagio posterior de desenvolvimento, invisível ao homem comum.

Todos os sufistas, independentemente da aparência exterior de suas escolas, têm feito do AMOR assunto de essencial importância. A analogia do amor humano como um reflexo da Verdade Real, tão comumente expressa na poesia sufista, tem sido em geral interpretada literalmente por outros que não os sufistas.

O guia, filósofo e amigo que é o mestre sufista, realiza o que poderíamos considerar muitas funções. Como guia, ele mostra o caminho – mas o aspirante deve fazer por si próprio a caminhada. Como filósofo, ele ama a sabedoria no sentido original do termo. Mas amor para ele, implica ação, não meramente prazer ou mesmo o desespero do amor unilateral. Como amigo, ele é um companheiro e conselheiro, fornece afirmações de um ponto de vista influenciado pela percepção das necessidades do outro. O mestre sufista é o traço de união entre o discípulo e a meta.

A influência do sufista na vida mística da Índia tem sido tão grande que várias escolas, consideradas como produto do antigo hinduismo, originaram-se, na verdade, segundo vários mestres, de ensinamentos sufistas.

A “Lei Sufista de Vida” requer:

Gentileza para com o jovem,
Generosidade com o pobre,
Bom conselho aos amigos,
Compreensão com os inimigos,
Indiferença aos tolos,
Respeito a ser aprendido.

O papel do Sufismo não deveria ser o de projetar os resultados de estudos religiosos comparados, subordinados a teoria teosófica da unidade essencial da manifestação religiosa.

Falando sobre os objetivos do sufismo, Sheik Arifdisse uma vez: “Estamos fazendo algo que é natural, que é resultado de pesquisa e prática para o desenvolvimento futuro da Humanidade, estamos produzindo um novo Homem. E fazemos isso sem nenhuma intenção material”.

O grande Rumi aconselha harmonia, confraternizada com pureza, mostrando o caráter sufista de misteriosa grandeza enciclopédica:

Pense bem dos Irmãos da Pureza,
Mesmo que eles mostrem rudeza
Com relação a você;
Porque quando a suspeita do mal
Se apodera de você,
Ela o separa de cem amigos.
Se um amigo terno o trata rudemente
Para experimentá-lo,
É contrario a razão desconfiar dele.

Terminarei esta palestra com uma observação deJalaludin Rumi. O grande sufista, que fala da obtenção da harmonia com os vários credos: “Cruz e Cristãos, de ponta a ponta eu examinei. Ele não estava na Cruz. Fui ao templo Hindu, Ao antigo Pagode. E lá também não havia sinal algum. Fui ao alto do Herat, e a Kandahar. Olhei. Ele não estava nas terras altas nem nas baixas. Resolutamente, fui ao topo da Montanha Kaf. Ali havia somente o ninho do pássaro “Añga”. Fui à Kaaba. Ele não estava lá. Perguntei do seu paradeiro a Ibn Sina; ele estava além dos limites do filósofo. Olhei dentro do meu coração – e então eu o vi. Ele não estava em nenhum outro lugar – ISTO É O SUFISMO”.

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